segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Primeira especial do primeiro rally

Era primeiro semestre do ano 2000. Eu, meu grande amigo Alexander e mais um figuraça da Poli, o Max, embarcamos no Defender do Alex rumo a Curitiba, de manhã bem cedinho. Depois de uma viagem tranquila a bordo do Land Rover apesar de alguns duelos com um afoito Mercedes 608 nos trechos de serra, chegamos a Curitiba. Nosso objetivo era assistir o mais tradicional rally do Brasil, o Rally da Graciosa, que naquele ano também era etapa do sul americano de rally.

Primeira tarefa, achar o rally, não lembro direito como mas acabamos chegando ao local da vistoria do rally. Eu nunca tinha visto um carro de rally de verdade na minha vida fiquei embasbacado, era como estar andando dentro de um sonho, Subarus, Lancers e um Celica maravilhoso. O ronco dos carros em marcha lenta, carros de competição estacionados na rua, andando pelas ruas. Aquilo era bem mais legal do que eu via em Interlagos... Todo mundo conversando, pudemos andar no meio dos carros, conversar com pilotos, conhecemos o Anderson Nobre, na ocasião o big boss do rally no Brasil, nos recebeu, contou como preparar um carro, claro que com um pouco da empáfia tão irritantemente comum no automobilismo, mas em um nível bem aceitável. Resumindo, grana pra correr não tínhamos mesmo.

Pegamos um panfletinho do rally e fomos reconhecer o terreno. Primeira parada: Estrada da Roseira, onde seria realizada a especial noturna naquele dia. Percorremos o trajeto da especial e lembro de me impressionar com a estradinha de asfalto, travadíssima, coisa que nunca tinha visto na região onde fui criado. Ribeirão Preto está em uma região plana e as estradas secundárias não são tão sinuosas, essa é a vantagem de trecho de montanha como Curitiba, a agricultura não dá dinheiro, mas quem está em um carro se diverte de verdade. Voltando à estradinha, ela era estreita, o asfalto era bom, parecia ter sido transplantada da Europa direto para o Paraná, eu já consegui visualizar os carros andando de lado por aquelas curvas, a ansiedade era grande.

Quando percebemos que o sol já estava baixo começamos a procurar o melhor lugar para assistirmos a prova, escolhemos uma sequência de esses que incluía uma pontezinha sobre um riacho, tudo isso ao final de uma grande reta em descida. A noite foi caindo e acabamos puxando papo com uma dupla de uruguaios que ostentavam orgulhosamente sua bandeira por cima de sua S-10 vermelha, eram pai e filho, "Motores y algo más" era o programa de rádio em Montevidéo que era apresentado pelo filho.

Para fechar a estrada para a realização da especial começaram achagar os policiais militares que em um arroubo de conhecimento geográfico saldaram: " Aeee argentina!!!" No que os uruguaios responderam "Aee Milico!!!" e logo nos perguntaram " Como habla milico?" E nós: "Milico? É Milico" para espanto dos chicos.

"E esse negócio de rally não vai começar?" Pensei eu. Logo escutei ao fundo aquilo que pareciam ser rojões, no auto da minha ignorância pensei que era por causa da largada, tipo Fórmula Truck. Gordo tosco.

Escutei os uruguaios murmurando um... "Subaru o Mitsubishi... él alivio del turbo, antilag" disseram(??). Comecei a perceber que os rojões eram entremeados por ronco de motor, cada vez mais alto... quando parava o ronco, rojões.... ANTI-LAG!!!! Sim!!! Os carros de rally tem um sistema que mantém a rotação do turbo através de explosões de combustível no escapamento, era isso que eu estava ouvindo...

Era dez mil vezes mais empolgante que bateria de escola de samba. O barulho foi se aproximando, mais uns rojões, bem próximos agora, e... CLARÃO!!!! Eu não enxergava mais nada, meus olhos doíam até o crânio. Sabe aquele monte de faróis que os carros de rally ostentam no capô? Eles funcionam muito bem!!! E se você for um pós adolescente empolgado e ficar olhando o carro de rally aparecer por de trás das árvores atribuirá um novo sentido à palavra ofuscamento.

Nem vi o primeiro carro passar porque via manchas multicoloridas em qualquer lugar que eu apontasse os olhos... Só ficou o perfume da avgás lembrando que cavalo chique come capim de primeira.

Depois os carros foram passando criando um certo padrão no som conforme desciam a reta e freavam para os esses, quatro cilindros turbo não fazem o som mais bonito mas pra mim eles adquiriram um grande valor sentimental neste dia, assim como os estouros do anti-lag system.

Até que em um dado instante um carro aparentemente freou no meio da reta, não entendemos, logo em seguida pé em baixo de novo para culminar em estouros do anti-lag, pneu travando e um som horripilante de galhos se quebrando, definitivamente um carro de rally tinha saído da pista de maneira pouco amistosa.

Passados os carros restantes fomos lá conferir os estragos, piloto e navegador conversavam com os policiais, ambos bem, Rosiak, era o argentino desmatador, se não me engano. O acidente aconteceu porque eles adotaram um poste com transformador como referência de freada para o final da reta, o piloto achou tê-lo visto no meio da reta e tirou o pé, o navegador, sem ainda ter visto o famigerado transformador soltou um "dá-lhe!! dá-lhe!! dá-lhe!!" . No final os dois só perceberam que tinham feito besteira quando o farol iluminou a vegetação ao final da reta, não deu para fazer nada.... foram parar uns 30 metros mato a dentro abrindo uma estrada por um emaranhado de árvores com troncos de uns 15 cm de diâmetro, não eram jequitibás rosa mas também não eram cana de açúcar, o pobre Lancer Evolution IV até que aguentou bem o tranco e tentava rastejar para fora mas sem sucesso.

Tentamos ajudar com o Defender e vínhamos fazendo progresso no resgate com o guincho até sermos escorraçados gratuitamente por um babaca da organização com uma Hilux que parecia saída de Ruanda, ficou faltando um "Vai se foder junto com a sua mãe!!" para aquele cara, que eu espero que seja entregue algum dia.

Foi esse meu primeiro contato com rally, foi assim que fui infectado com o "velocius poeirentus", vírus incurável que me meteu em um monte de histórias loucas que irei publicando aqui com o tempo.