Os dois 911 no S do Senna (Se você é o autor desta foto por favor entre em contato) |
Às vezes a gente dá sorte na vida. No ultimo dia
11 de setembro a promotora de eventos carioca Oktane fechou o Autódromo de Interlagos para um track day e o destino através de uma pessoa
sensacional e que é uma dos meus seres humanos preferidos resolveu
me dar um presente gigantesco, sensacional, muito provavelmente o melhor de
todos. Juro que eu só pedi para dar uma voltinha em um Porsche 911(996)
Carrera 4 (lindamente azul marinho), na rua mesmo. Mas ele me foi
oferecido para uso exclusivo durante o track day da Oktane.
Coincidentemente, o dia era 11 de setembro. Nos Estados Unidos da
América se referem a este dia como nine-eleven exatamente
como também se referem ao melhor carro esporte de todos os tempos, o cinquentão
inigualável Porsche 911 (Nine Eleven).
Fui buscar o carro em Campinas na terça à noite e
trouxe ele para casa para poder chegar bem cedo a Interlagos na
quarta evitando assim o trânsito parado da Marginal Pinheiros e o
eventual risco de assalto, ou você acha que vivemos em um país
seguro? Mas de qualquer jeito foi uma ótima oportunidade para
comparar o mítico 911 com o meu repertório diário de referências
de uso do carro.
O Porsche me foi entregue por um funcionário do
dono dele, então não teve briefing. Meio assustador, mas fiquei
muito honrado com a confiança depositada em mim. Então lá fui eu
perder minha virgindade de novo, era exatamente esta a sensação, a
ansiedade extrema, a noite anterior mal dormida...
As primeiras impressões me disseram que os carros
atuais estão nos deixando delicadinhos demais!!! Eu me achava
ridículo por estranhar os comandos do 911, todos eles eram pesados
na minha opinião. Trambulador, embreagem, freio e acelerador, ainda
que este último seja bastante sensível ao curso, mas tem que fazer
força para ele começar a se movimentar. Mesmo o dono que já tem
intimidade com o carro não consegue manobrar o 996 discretamente. A rotação do motor sempre dá um pulo ao sair da marcha lenta mesmo com pequeno
ângulo de acionamento do pedal... aí você manobra ele meio nas
latidas, mas isso é puro deleite porque o ronco deste carro é
espetacular. Resumindo, no primeiro contato tomei um “pedala” do
911.
Bom, saí com o Porsche meio me borrando as calças,
mas logo deu pra ver que não tem nada de extraterrestre nele. É
um carro. Mas é o melhor carro que já dirigi. Em poucos quilômetros
me acostumei. Não é muito grande e não tive a impressão de
estar muito baixo também. Só parecia que tudo estava correto, do
jeito que tem de estar. As marchas bem escalonadas, a alavanca mexe o
quanto tem de mexer, freios previsíveis, o motor com torque
suficiente para a vida mundana, sempre, desde baixas rotações. Dá para andar com ele de
maneira tranquila, ainda que nestes primeiros quilômetros eu achei
difícil ser totalmente suave. A resposta era sempre um pouco mais
brusca do que eu esperava, mas isso é normal nos meus primeiros
quilômetros com qualquer carro. A autocrítica é forte. Um aspecto
que me impressionou muito positivamente: a suspensão não é dura.
Não é um tapete voador, ela transmite o que tem no chão, mas sem
te judiar.
A direção hidráulica parece que é mecânica
quando em movimento. Duvido que exista um carro que eu me dê tão
bem como me dei como o 911 assim de cara. Recentemente dirigi um BMW 528 e um M3 em
Interlagos e posso dizer que este começo de relacionamento não foi
a mesma coisa. O M3 andava bem mais com 120hp extras mas não me
senti tão bem nele como me senti no 911. Subjetivo? Sim, muito!
Peguei a rodovia com tranquilidade, pois na saída
de Campinas há um radar em cima do outro na Rodovia Dom Pedro. Chego
ao anel viário e o trânsito dá uma tranquilizada. Fico treinando
alternar marchas mantendo a velocidade para me familiarizar com o
carro, ele vai me ensinado como gosta de conversar. Ao chegar na
Rodovia Anhanguera dou a primeira cutucada no pedal da direita, em
segunda marcha....Que sensação!! O ronco é forte assim como a
aceleração. Me contenho. É fácil pulverizar os limites de
velocidade neste carro. Aliás tenho de me manter atento para
permanecer dentro da legalidade. O transito volta a ficar intenso o
que é bom e ruim. Não posso encher o peito do 911, mas fica mais
fácil se manter dentro da lei.
Resolvo tentar a Rodovia dos Bandeirantes.
Péssima ideia. Parece não haver lei por ali, caminhões
protagonizando todos os tipos de barbaridades. Abortei os planos e
13km depois retornei para a Anhanguera, mais tranquila nestes 48
quilômetros finais. Consigo andar mais solto agora. Mesmo em 6ª
marcha a velocidade aumenta facilmente. Posso dizer que a velocidade
de cruzeiro do 911 é mais de 50% acima do limite. Ele vai tranquilo,
sem barulho de vento, sem pisar muito. Quando a estrada permite ele
estica suas pernas até os 150 ou 160km/h de maneira serena sem
riscos. Óbviamente eu deixava a velocidade cair suavemente ao
perceber um veículo à frente. Não imaginava que o 911 era um
estradeiro tão competente, achava que ele era muito agitado, te
cutucando toda hora, como um cavalo bravo, mas não, se você quiser
ele pode ser um competente GT.
Chego a São Paulo e já estou amigo do alemão,
já estou conduzindo ele de maneira mais intuitiva. Nada como pegar
estrada com um carro para conhecê-lo melhor. Na Marginal Tietê ele
se mostra um carro de verdade... encara o asfalto ruim sem
frecuras... não há batidas secas nem trancos nas ondulações, como
eu conheço bem o trecho desvio das tampas de bueiros e dos buracos.
Chego em casa em entro na garagem sem dramas, estava morrendo de medo
de raspar na guia rebaixada, nada.
Chegando na garagem um problema, cadê a ré? Olho
a alavanca de cambio que indica a ré ao lado da primeira marcha.
Aperto a alavanca para baixo e nada, forço para a esquerda e nada.
Que medo de quebrar alguma coisa!! Aumento a força para a esquerda,
nada, aumento mais a força e a alavanca vence um trava. Me senti,
novamente, uma menininha. Tomei mais um “pedala” do 911, se você
quer engatar a ré, tem de fazer força para não haver engate
acidental, simples e brilhante.
Manobro ele, alinho com a vaga mas devido ao longo
balanço traseiro do 911 faço a aproximação final na mão mesmo.
Consigo um perfeito estacionamento na minha pequena vaga.
Pouco à vontade na vaga da garagem |
No dia seguinte às 6h13 eu estou descendo da guia
rebaixada, rumo ao Autódromo Inernacional Jose Carlos Pace, vulgo
Interlagos. Saio sem tomar café da manhã a ansiedade espanta o
sono. Completo o tanque com a mais pura gasolina Podium. E vamos
embora. Pego um pouco de trânsito na marginal Pinheiros da ponte do
Morumbi até a ponte Transamérica. Mas mesmo assim chego cedo
demais, a pista abre às 8h00. Paro no posto BR da avenida Interlagos
e tomo um sensacional chocolate quente sabor Alpino da Nestlé. Me
sinto na Europa. “Meu” belo Porsche 911 azul marinho parado em
frente à loja de conveniência. Um sol ameno, bem gostoso,
espantando o frio da manhã. Hora de ir para a pista.
Chego lá estaciono meu amigo azul nas vagas de
visitantes, no lado externo do Paddock. Espero meu mecenas, patrono
desta experiência sensacional. Ele iria chegar em outro Porsche um
sensacional 911 GTS (997) amarelo calçado com semislicks Pirelli
Trofeo R bem mais apropriados para o dia de “fitness” do que os
Michelins do “meu” 996.
Na hora de fazer inscrição recebo a péssima
noticia que não há vaga para eu participar do evento. Deixo meu
nome na lista de espera e começo a “zicar” todo mundo menos meu
mecenas. Não precisa, depois de três horas de espera liberam minha
entrada.
Como é minha primeira vez em Interlagos sem
supervisão, meu patrono vai na frente no amarelão me mostrando o
circuito. Eu estava realizando um sonho, parecia que eu havia me
transportado para dentro do game Gran Turismo: “License 16 –
Guided Lap of Interlagos”. Ia observando e imitando os pontos de
freada do GTS, mas de cara já levei algumas mordidas do azulão....
tive de ir adaptando minha tocada gradualmente. Depois de algumas
voltas voltamos aos boxes e cometi um erro, pedi para acertarem as
pressões dos pneus. Deixaram murcho demais. O carro passou a não me
avisar mais nada, eu tinha de adivinhar quando ele ia sair. Meu
melhor tempo nestas voltas tinha sido 2'11”, o tempo do carro com o
dono ao volante e com um jogo velho de pneus. Eu estava de pneus
novos, o que não é ótimo, mas era definitivamente melhor do que o
jogo anterior de pneus. Eu não estava satisfeito com este tempo,
sentia que eu estava atrapalhando mais do que ajudando o alemão a
fazer o serviço.
Mais tarde naquele dia voltei à pista mais duas
vezes e o resultado foi praticamente o mesmo, eu e o 911 brigando
entre a gente nas curvas de baixa e o tempo da volta melhorou somente
1”, agora minha melhor marca era 2'10”. “Não é pra ser assim
pensei comigo”. Foi naquele momento que as dezenas de milhares de
quilômetros virtuais e as incontáveis horas de leitura sobre
porsches serviram para alguma coisa. Jogando videogame aprendi que
muito mais importante do que a entrada da curva era a saída, quanto
mais rápido se sai de uma curva, mais rápido se percorre a reta até
a próxima curva e assim que se faz um bom tempo num autódromo. Saio
para a pista para a última sessão de voltas, e ofereço a você,
amigo leitor, uma carona dentro do meu capacete.
Quanto à volta vou ser bem sincero, meu cérebro
estava bastante sobrecarregado então fui meio de ouvido nas tocadas
e não olhei a velocidade nenhuma vez, então não vou conseguir
falar direitinho as velocidades em cada trecho. O conta giros gigante
não tinha muito como não olhar, então vou cutucar os neurônios
aqui e tentar descrever a melhor volta que eu fiz em Interlagos que,
foi a minha última volta rápida neste dia sensacional, o momento
que eu me entendi com o 911. Espero que você goste.
Ao fim da zebra do mergulho aplico os freios,
escuto o ronco diminuir e em mais um punta-tacco delicioso reduzo
para segunda marcha. Solto os freios e deixo o alemão se equilibrar,
como diz a lenda Vic Elford, você tem de seduzir o 911 para ele
fazer o que você quer, se não for de maneira suave ele vai te
punir.
Entro
na curva da junção beliscando a zebra do lado de dentro e deixando
ele usar o espaço da pista em direção à grande zebra do lado
direito sem subir nela. Vou desvirando o volante enquanto aperto o
acelerador, o ronco aumenta, no momento exato, agora já mais íntimo
com o carro, olho para o conta giros e vejo o ponteiro mergulhando em
direção àquele grande número 7. Coloco terceira e contorno a
curva do café, na saída o 911 pede a 4ª, ele recebe, não adianta
afobar muito a mudança, a coisa tem o ritmo natural, o trambulador
duro não deixa eu ser muito ágil, mas a coisa sai no tempo certo
não há tranco mesmo soltando a embreagem rapidamente. Como diz o
dono do carro: "Ele vai te ensinar o ofício". Bem na
entrada dos boxes ele pede quinta marcha. Passamos na linha dos boxes
já de olho na placa dos 150m, ele atinge 215km/h antes de começar a
freada.
"Buoooh" 4ª, "buooh" 3ª ,
"buooh" 2ª, o entro no S do Senna um pouco atrasado,
termino a primeira perna bem no meio da pista, na minúscula reta em
descida o carro já pede terceira marcha, coloco enquanto aponto o
carro para a zebra interna à segunda perna do S já acelerando o
seis cilindros. Faço a curva do sol com o pé trancado no fundo... a
aderência nesta curva impressiona, impossível não usar o clichê,
o carro parece mesmo estar sobre trilhos. Saindo da curva do sol o
carro pede 4ª marcha e devora toda a reta oposta, quando parece que
a 5ª será necessária chega o ponto de freada. Redução para
terceira, solto o freio para ele se equilibrar e entro na curva do
lago já acelerando de leve. O alemão agradece e cravo o pé assim
que ele fica paralelo à zebra. Na tangência da Chico Landi coloco a
quarta só para alguns segundos e já estamos entrando no
laranjinha...
Freada leve e redução para terceira, faço o
laranjinha mantendo o giro, passo perto da primeira zebra interna e
mordo de leve a segunda, uma pisadinha curta no acelerador e freada e
redução para segunda marcha, fico sem espaço para deixar ele se
equilibrar para entrar no S, lembrar do Vic Elford? Pois é lá se
vai a traseira, e devido à calibragem errada dos pneus não há
aviso algum. Nada muito dramático mas perco um tempinho até colocar
a casa em ordem.
O Pinheirinho é contornado sem dramas e acelero
na saída sentindo que não posso afundar todo o pé até desvirar
todo o volante. Me empolgo e coloco terceira enquanto o posto de
bandeirinha se aproxima rápido. Freio um pouco tarde e novamente não
tenho espaço para deixar ele se acalmar antes de entrar no bico de
pato, sinto ele se desequilibrar, mas a traseira não sai tanto desta
vez, acelero novamente e coloco a terceira cedo, antes de entrar no
mergulho, não sinto confiança em mudar de marcha durante esta
curva. Faço o mergulho tentando achar o limite do carro, não acho.
No final da zebra aplico os freios e sobra espaço para deixar ele se
assentar desta vez, faço a junção igualzinho fiz na volta anterior
e posso pedir tudo do boxer 6 cilindros na subida, já em terceira
marcha.
Esta é uma memória que vou levar comigo para o
túmulo, o ronco deste carro subindo a junção de Interlagos, mesmo
a 7000 rpm ele não fica agudo, é uma fera urrando, sem histeria,
mas com fúria. Na minha cabeça é o mugido de um bizão com
hidrofobia, o rugido de um tiranossauro rex, de algo grande e bravo,
enfim. Mesmo temendo o muro não consigo disfarçar o sorriso dentro
do capacete. Quinta de novo na entrada dos boxes e aqui está a linha
de chegada.
Acho que o carro tinha mais a oferecer com pneus
mais amigáveis. Eu dei tudo o que consegui até ali, definitivamente
parecia ter sido minha melhor volta mas a dúvida ficou na minha
cabeça nas duas voltas que dei para refrigerar o carro.
Cheguei aos boxes e confirmei a volta em 2'07"6,
nada espetacular para um carro de corrida mas 4 segundos mais rápido
do que haviam virado com ele até aquele dia. Uma sensação de
missão cumprida me invade. Foi esse o fim de um dos dias que mais me
diverti na minha vida, com certeza o melhor dia relacionado a carros,
de longe. Perdi a minha virgindade com o 911 e fiquei viciado.
Preciso ganhar dinheiro para comprar o meu, que pode ser usado, com
cara de inofensivo, azul marinho e sensacional como este. Espero que
todos nós consigamos o nosso, porque sinceramente, já andei em
carros mais rápidos mas nenhum chegou perto do envolvimento que o
911 me proporcionou. Virei fanático. Ver um 911 na rua não é mais
a mesma coisa. A saudade é um sentimento forte.
Se achando o máximo ao lado do mito |
Ficha técnica resumida:
modelo: Porsche 911 Carrera 4
ano de fabricação: 2000
Potência: 300 hp a 6800 RPM
Torque: 350 N.m a 4600 RPM
Peso: 1350kg
Transmissão: Integral, cambio manual de seis marchas
Desempenho: 0-100 em 5,2s, velocidade máxima 280 km/h
Consumo: vá comprar um 1.0!!!